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terça-feira, janeiro 27, 2015

O TEMPO DA ALMA

                                                             
                                           (Hoje, no Jardim de Infância de Gravelos, Vila Real)

Cada vez mais surgem evidências de que os sistemas de crenças de uma civilização produzem um efeito decisivo sobre o funcionamento do ser humano (psíquico e fisiológico) uma vez que infundem sentimentos de esperança de vitória e são de grande ajuda na superação de dificuldades, mesmo (e principalmente) na vida adulta.
Estas crenças estão muitas vezes plasmadas nos “contos de fadas” cuja função é a de resgatar o “tempo da alma”. A alma tem um tempo próprio, característico, ditado pelos ritmos da natureza, que não costuma ter pressa. O “tempo da alma” é que regula o passo das fases do amadurecimento humano, em oposição à ansiedade e ao acúmulo de questões e de pressões de toda a ordem, que a sociedade moderna exerce sobre os Indivíduos, sobre os Estados e sobre as Uniões.
A verdade é que a maioria dos contos de fadas, que nós conhecemos hoje tiveram, na sua origem, finais muito mais extremos e envolviam temas muito pesados, como canibalismo, homicídio, e tortura. Eram contos recheados de vingança, de assassinatos, de mutilações … Essas histórias da mitologia europeia, que começaram a ser formalmente registrados, em prosa, na Idade Média, eram contadas de pais para filhos e traziam consigo preocupações da vida quotidiana (e nada nobre) como morte, fome, abandono e abusos sexuais.
Pelo contrário, os contos atuais, cheios de esperança e amor, foram fruto de uma preocupação com o impacto psicológico que as crianças podiam sofrer, tendo-se optado, então, pela fórmula mais branda, do politicamente correto.
Fossem essas histórias mais ou menos tenebrosas ou mais ou menos adocicadas elas não deixaram contudo de contribuir para o imaginário coletivo europeu, que certamente queremos que continue comum.
Assim sendo, é mesmo de um "conto de fadas" que necessitamos, de uma encantação determinada que transforme a abóbora, num coche puxado por fortes cavalos brancos.
Imaginar é um ato mágico, já dizia Sartre…pois então dêmos-lhes contos de fadas, acrescentou Einstein, sem hesitar!

quarta-feira, janeiro 14, 2015


É imenso e multifacetado o universo da literatura infantojuvenil. Ele gira em torno de vários eixos que mostram a riqueza e a amplitude da mesma, mostrando núcleos de significação e de inter-relacionamento com o mundo empírico-histórico factual passado, presente ou futuro e ainda revela quantum entanglement com a mitologia, a polifonia, a ideologia, a oralidade, a intertextualidade…
A argila, vulgarmente chamada barro, que se transforma depois em cerâmica é, segundo os estudiosos, a mais antiga das indústrias. Ela tem acompanhando a história da humanidade, deixando pistas sobre civilizações e culturas que existiram há milhares de anos, antes da Era Cristã. Costuma mesmo dizer-se que o primeiro artesão foi Deus que, depois de criar o mundo, pegou no barro e fez Adão.
Desta cerâmica ancestral existem vestígios um pouco por todo o mundo e Portugal não foge à regra e em Vila Real existe um tipo de cerâmica preta que, segundo Joaquim de Vasconcelos (1908) é uma “(…) arte incomparável, dotada de memória admirável, que mantém sem estampas, sem guia, vivendo ao desamparo, com uma simples iniciação patriarcal na família, as mais puras tradições de uma arte ancestral que enfeitiça e seduz o crítico mais exigente”.
A publicação do livro “Uma menina que nasceu no meio do barro: história quase verdadeira dos oleiros de Bisalhães, Vila Real” de Isabel Maria Fernandes com ilustrações de Rita Faria é uma chamada de atenção para a precária situação da olaria preta pois, pretende sensibilizar os mais jovens para a preservação das memórias, por um lado e, ao mesmo tempo, dirigir o foco para possíveis oportunidades de negócio para não falar das já tão faladas potencialidades turísticas.
E reza assim a história:
A Ana nasceu em Trás-os-Montes, e todos lhe chamam Ana Louceira. Um dia, o seu amigo Francisco foi visitá-la porque queria saber como se fazia a famosa louça preta de Bisalhães, Vila Real. A Ana levou o amigo a ver como os oleiros fazem esta louça. Os dois amigos passaram um dia inesquecível e o Francisco aprendeu imenso sobre o trabalho dos oleiros e sobre esta louça que, como por magia, muda de cor.

Boas leituras!

Os heróis improváveis

Era uma vez Desperaux, um rato apaixonado por histórias. Um rato de ENORMES orelhas e um coração SEM TAMANHO.

Convenhamos que era um rato grande demais para o pequeno mundo onde vive...

Mas “A Lenda de Desperaux” de kate di Camillo é também a história de uma colher de sopa, de um carrinho de linhas e de uma agulha, objetos que, francamente estarão a pensar, não se colocam nas histórias, por serem demasiado insignificantes.

Mas a vida é assim mesmo, feita a maior parte do tempo de coisas insignificantes, como por exemplo trabalhar, ir às compras, pôr gasolina no carro, dormir, comer e, no caso desta história, do nascimento deste rato cuja mãe, desesperada, lhe pôs o nome de Desperaux!

Contudo Desperaux, para além da particularidade das suas grandes orelhas, tinha também os olhos bem abertos, para além de não se comportar como um verdadeiro rato, o que convenhamos causava estranheza no mundo dos ratos.

Desperaux acaba por passar por vicissitudes várias, por escapar a perfídias ilimitadas para finalmente, como é habitual nas histórias de potencial receção infantil, regressar à luz gloriosa, com a forma de cavaleiro brandindo a espada.

 O protocolo de leitura da “Lenda de Desperaux” pode levar-nos a muitos caminhos, começando pelos heróis improváveis do quotidiano (nós todos), pelos super heróis improváveis do quotidiano (os que dão a vida para salvar outros) e pelos híper heróis improváveis do quotidiano (aqueles que conseguem perdoar).

“-Perdoa-me – repetiu Lester. Leitor, o perdão é, creio eu, muito parecido com a esperança (…), algo muito poderoso e maravilhoso. E algo muito ridículo também!”

E que é feito da colher de sopa e do carrinho de linhas e da agulha? Bom, isso é tema para a cozinheira da história que disse: “Escuta rato, estes são tempos extraordinários. E por isso temos de ter paz entre nós”

E a agulha? Bem, para saberem têm que ler a história…mas para já leiam a frase de Adreinne Rich: “I don’t think we can separate art from overall human dignity and hope.”

segunda-feira, janeiro 12, 2015

Segurança e Liberdade

                                      Segurança e Liberdade

Leila tem 10 anos. Vive no grande deserto, onde os beduínos viajam de camelo. Leila tem seis irmãos. Slimane é o seu preferido. Um dia Slimane desaparece no infinito das areias. Não voltará mais e o seu pai probibe que jamais o seu nome seja pronunciado, quer na esfera pública, quer na privada. Apesar da cólera do pai, o xeque Tarik, Leila impõe a sua vontade e Slimane vive de novo no coração de todos aqueles que dele se recordam.
Assim é a história de L...eila, no livro de Sue Alexander com ilustrações de Georges Lemoine.
Uma das coisas mais terríveis que pode acontecer, quando uma tragédia acontece, é não se poder falar dela, por medo de represálias, por imposição de alguém ou mesmo por imperativo próprio, de recato e introversão.
As duas primeiras (medo de represálias e por imposição de alguém) vão contra o que hoje em dia a sociedade occidental pugna que é uma sociedade dinâmica, no processo contínuo de conquista e defesa da liberdade, na construção e expansão no campo do direito, ético, cultural, individual e coletivo.
Ao ler o que David Lankes escreveu, hoje, no Library Journal - “All libraries should provide safe place to recover and the tools to turn tragedy into action and understanding” – dei comigo a pensar o que poderemos fazer+ nas escolas para que a importância da Liberdade de Expressão seja, de facto, inserida da formação de uma consciência cidadã.
Claro que inúmeros projetos poderão ser repensados, começando pelo jornal escolar e pela necessidade de ele se constituir como o veículo das diversas “vozes” que enquadram a comunidade educativa.
Depois temos o currículo/disciplinas, cujos professores sempre muito preocupados com o programa, dizem (e talvez bem) que não têm tempo para essas coisas…
Restam-nos as Bibliotecas Escolares/Centro de Recursos que são locais híbridos culturalmente, são plurais por natureza, no sentido de agregar múltiplos e diversificados saberes, com a intenção de criar vínculos com as suas comunidades não ignorando os centros mas, sobretudo, prestando atenção às periferias pois, é aí onde a ação é mais necessária.
A aprendizagem de uma literacia crítica à volta da personagem “Leila” do Livro de Sue Alexander, que estava impedida, pelo pai de mencionar o irmão morto, o questionamento do texto para averiguar o porquê das vozes autoritárias em jogo, a persistência de Leila e a sua vitória final dão, a esta história, um magnífico pretexto para, por exemplo, definir aquilo que consideramos Segurança e Liberdade e fornece-nos elementos de comparação, relativamente a estes conceitos e à prática deles, em diferentes sociedades.



domingo, janeiro 11, 2015

O senhor o seu nariz e outras histórias


Texto - Álvaro Magalhães

Ilustração -João fazenda

 “ (…) Agora sei porque te fadei, eu que nunca tinha feito mal a ninguém. Era para meu próprio bem. Às vezes, as fadas também sabem o que vai acontecer. Sabem mas não sabem que sabem. Percebes? Sabem sem o saber.”
Esta frase está quase no final da história que Álvaro Magalhães escreveu e que se chama – O senhor do seu nariz.

Contudo, a fada não aparece só no fim da história. Pelo contrário, aparece bem no princípio da mesma quando insiste em fadar o rapaz/bébé com “um nariz do tamanho de um chouriço” e, sem mais delongas, o nariz começou a crescer, a perder de vista, de tal forma que o rapaz/homem, apesar de tudo sempre otimista dizia: “Não era pior se fosse do tamanho de um presunto?”

Apesar dos inconvenientes que “o seu nariz” às vezes lhe causava (o nariz chegava sempre antes dele, nunca passava despercebido, derrubava as pessoas quando se virava de repente, por exemplo…) tinha outras conveniências mais agradáveis pois “cheirava como ninguém, pois então”.
A sua verdade, ou melhor, a sua busca da verdade, qual Diderot, baseava-se não no tato mas no olfato, como fonte de conhecimento do mundo: “As pessoas cheiravam o mar, os bosques e as flores, eu cheirava o mar, os bosques e as flores, como nem o mar, os bosques e as flores sabem que são.”

O seu subtil olfato foi então percebido de muita utilidade, resolvia um incêndio ali, dava conta do temporal a chegar acolá, enfim, com o tempo deixou de “ser um cheirinhas para ser um cheirador. O caminho de casa estava sempre cheio de gente que vinha pedir um favor, ouvir uma opinião. Eu lhes dizia se me cheirava. Ou não”.
Até que um dia…cheirou-lhe a pó de fada! “Segui-lhe o rasto cheiroso e fui parar ao beco mais escuro da cidade, (…) era uma fada do ar mas estava estendida na lama (…) “ – Se não podes ser fada e voar, aguenta-te em terra. Gostas de sopa de ervilha e hortelã? E de pão fresco pela manhã?"

E no resultado do "cheiro" da elaboração sobre o mundo, a fada começou a rir, “(…) deu duas voltas no ar e voou como só uma fada sabe voar” e talvez dissesse que o tempo é de cada um, e que ele há de sempre vir, para iluminar nosso “olhar”.
Boas leituras! Livro recomendado para o 3º ano de escolaridade.
 

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Na minha terra conta-se que, no inverno, à lareira, quando ainda não havia as modernices de hoje, pais e avós juntavam-se para contar histórias. As mães diziam: Venham meninos vamos às contas! Claro que não eram só os meninos que se juntavam. Era a família inteira e mais os vizinhos e até os animais que lá por casa passeavam se aninhavam para saborear mais uma noite de histórias, contos, ditos e mexericos...